O Ministério Público do Espírito Santo publicou em seu portal a notícia intitulada "Ministério Público atua para proteger Pedra Azul da especulação imobiliária na região", gerando ampla repercussão na mídia estadual. No entanto, o tema levantou uma série de questionamentos. Diante disso, o Pedra Azul News elaborou um levantamento crítico, apresentando contrapontos e destacando realidades que podem estar sendo ignoradas pela abordagem do Ministério Público. Para contextualizar nossos leitores, trazemos neste texto um panorama das principais questões enfrentadas em Pedra Azul.
A localidade de Pedra Azul é uma região turística reconhecida nacionalmente pela beleza singular da Pedra Azul. No entanto, poucos conhecem sua estrutura geopolítica e os desafios enfrentados devido ao descaso de órgãos públicos competentes nos últimos anos. Pedra Azul está situada no município de Domingos Martins, mais precisamente no Distrito de Aracê, que abrange aproximadamente 462 km² – área 2,5 vezes maior que a de Venda Nova do Imigrante e cinco vezes maior que o território de Vitória. O vilarejo Pedra Azul, também conhecido como bairro Pedra Azul, é rodeado pelo Parque Estadual Pedra Azul e por diversos bairros do Distrito de Aracê, como São Paulo do Aracê, São Floriano, Nossa Senhora do Carmo, Fazenda do Estado, União, e São Bento, entre outros, todos beneficiados pelo turismo local. A região está localizada a cerca de 50 km da sede do município.
Nos últimos anos, Pedra Azul tem crescido demograficamente, atraindo moradores de centros urbanos em busca de segurança, tranquilidade e um ambiente cercado de belezas naturais.
O Distrito de Aracê, popularmente conhecido como Pedra Azul, vai além do turismo. Sua principal força econômica está na agricultura, incluindo agricultura familiar, cafeicultura, hortaliças, fruticultura, além de atividades como apicultura, avicultura, aquicultura e bovinocultura de corte e leite.
A região de Pedra Azul é incrível e possui grande potencial, mas há problemas que estão sendo esquecidos.
Principais problemas sociais da região:
•Falta de moradias e planejamento urbano: Escassez de imóveis para alugar ou comprar, infraestrutura precária nos bairros (saneamento básico, pavimentação, acesso, iluminação pública) e falta de apoio à regularização fundiária em comunidades.
•Falta de mão de obra: A carência de moradias afeta diretamente a disponibilidade de trabalhadores para o comércio, turismo e agricultura.
•Mobilidade urbana e rural: A ausência de transporte público dificulta a locomoção entre áreas urbanas e rurais, gerando problemas socioeconômicos.
•Outro desafio enfrentado é a complexidade para construir ou investir na região. O processo para obtenção de licenças na prefeitura e junto aos órgãos ambientais é longo e burocrático, agravado pela presença do parque estadual e por leis específicas do Plano Diretor municipal, que não é atualizado e inclui restrições defasadas e muitas vezes sem embasamento técnico. Essa situação desestimula investidores, favorece construções irregulares e cria favelas, enquanto a infraestrutura local não acompanha o crescimento populacional.
Atualmente, está em andamento um estudo para viabilizar a concessão dos parques estaduais do Espírito Santo, incluindo o Parque Estadual Pedra Azul. A concessão busca melhorar o atendimento aos visitantes, proteger as áreas de conservação permanente e fortalecer a gestão interna dos parques, em colaboração com o órgão fiscalizador. No entanto, essa proposta enfrenta resistência de grupos ecológicos e grupos políticos que defendem a manutenção da gestão estatal, apesar das falhas e ineficiências observadas.
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça de Domingos Martins
Outro ponto em discussão é o processo de tombamento do patrimônio natural paisagístico do maciço da Pedra Azul, iniciado pelo Ministério Público do Espírito Santo para proteger a região da especulação imobiliária, que segundo a matéria do MPES foi baseado apenas no Relatório Técnico elaborado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) . Contudo, essa iniciativa ignora os problemas enfrentados pela população local, como os já listados, e carece de um olhar mais abrangente para equilibrar conservação ambiental e desenvolvimento social.
No documento, o Ministério Público destaca a aceleração da ocupação urbanística no entorno da Pedra Azul, com risco de sério e irreversível prejuízo à humanidade no que tange ao direito da paisagem.
Dessa forma, nos requerimentos, o Ministério Público justifica que, pela beleza natural e importância cultural, a Pedra Azul ultrapassa o conceito de bem municipal, e apresenta-se como patrimônio natural da humanidade.
Nesse sentido, Relatório Técnico elaborado pelo IEMA incluído no procedimento instaurado pelo MPES relata que o Parque Estadual da Pedra Azul “vem sofrendo nos últimos anos problemas ambientais que colocam em risco o alcance dos objetivos de sua criação legal”.
“Adicionalmente, a pressão imobiliária ao redor da unidade conservação tem colocado em risco muitos elementos componentes de sua paisagem, principalmente a visada do maciço da Pedra Azul”, consta no Relatório Técnico do IEMA.
Acusação de Uso irregular
O documento destaca que tem sido observado o uso irregular do solo e da água na região, bem como a crescente expansão de condomínios sobre áreas naturais, que tem transformado e ameaçado a paisagem local. O relatório apontou, ainda, a região do Parque Estadual Pedra Azul como estratégica para o Estado no que tange ao ecossistema local, economia, turismo, ciência e outros aspectos.
Diante disso, o IEMA orientou que são necessários instrumentos para garantia da preservação do local para as gerações futuras, recomendando o tombamento do maciço rochoso que compõe a paisagem da Pedra Azul (Pedra Azul, Pedra do Lagarto e Pedra das Flores) como patrimônio natural cultural.
O que é especulação imobiliária?
Especulação imobiliária é uma prática de mercado que consiste na compra de imóveis, como casas, terrenos e salas comerciais, sem a intenção de utilizá-los, mas apenas visando sua valorização para posterior venda a preços mais altos. Nesse caso, o investidor não obtém lucro por meio de aluguéis ou outros usos do imóvel, mas sim pela valorização e aumento do preço no mercado imobiliário. Embora a especulação imobiliária não seja considerada crime, o Estado frequentemente intervém para regular esse mecanismo de mercado e frear seus efeitos.
Na região de Pedra Azul, a falta de infraestrutura, planejamento urbano, criação de novos bairros e moradias acessíveis para a classe trabalhadora e os novos imigrantes tem impulsionado o mercado imobiliário, que desempenha um papel significativo na economia local. Apesar disso, o Ministério Público acredita que o aumento dos preços dos terrenos na região seja resultado da especulação imobiliária.
No entanto, a realidade é que a região tem afastado investidores devido a uma combinação de fatores: leis rígidas em vigor, a área do parque estadual (que compreende 12 km²), e o Plano Diretor municipal de Domingos Martins, que está desatualizado e remendado, dificultando novos empreendimentos e o desenvolvimento planejado da localidade.
O que o tombamento do patrimônio natural paisagístico do maciço de Pedra Azul pode trazer para a região?
Pontos positivos:
O tombamento representa um importante avanço na preservação de Pedra Azul, especialmente no que diz respeito à proteção da paisagem e da vista para o maciço da Pedra. Ele amplia as ferramentas para conservação ambiental, garantindo maior atenção à manutenção das características naturais da região.
Pontos negativos:
Por outro lado, o tombamento impõe diversas limitações. Entre elas, leis mais rigorosas, restrições impostas por órgãos federais, e a possibilidade de aumento na carga tributária. Além disso, ele pode afastar investidores, limitar o desenvolvimento de infraestrutura e dificultar processos de inovação. O impacto mais severo recai sobre os proprietários de terras na área tombada, cujos direitos passam a ser restringidos. Em outras palavras, para proteger os bens tombados, o governo estabelece restrições quanto ao uso e à propriedade desses bens, o que pode gerar insegurança e descontentamento entre os moradores.
Outro aspecto relevante é a extensão da área com vista para o imponente maciço de Pedra Azul. A formação pode ser admirada não apenas nos arredores do Parque Estadual, mas também em diversas localidades, como Caxixe Frio, em Venda Nova do Imigrante; em parte da Rota Azul que fica na região de Castelo; no bairro Lajinha, na divisa com Afonso Cláudio; além de inúmeros bairros do distrito de Aracê. Essa área de abrangência, que pode superar 20 km²,
A população que possui propriedades na área que será tombada precisa ser devidamente esclarecida e ouvida pelo Ministério Público. No momento, há falhas na abordagem do órgão em relação aos interesses sociais da região, reforçando a necessidade de diálogo e transparência no processo.
Embora se saiba da legítima atuação do Ministério Público em vista da preservação de Pedra Azul frente à especulação imobiliária, é importante se atentar para o fato de que este problema está inserido em um contexto mais amplo e complexo que envolve outras questões